terça-feira, 9 de setembro de 2008

Com Londres, no divã!


Eu e os escoceses no Regent Square Festival


Carnaby Street


Regent Square Festival

Pode parecer estranho que somente após 26 postagens em três meses de UK eu me habilite a escrever sobre Londres. O fato é estava esperando viajar até lá pela quarta vez na vida para sentir-me suficientemente confiante do que escreveria sobre a cidade mais cobiçada do Reino Unido.

Aconteceu que mesmo após minha quarta estada, percebi que não tenho competência para fazer isso com propriedade. Percebi também, que Londres não se resume num texto, ela se prolonga em infindáveis reticências. Londres não se desvenda em palavras, fotografias, guias; ela se insinua. É uma cidade que não se encerra em discursos, porque está em constante transformação. A única lei que parece servir para Londres é a do Samsara, conceito budista que prega que “a única constante é a eterna mudança”.

Assim, na condição de psicóloga, tentei ao menos compreender Londres, colocando-a no divã para analisá-la à luz de quem talvez me trouxesse algumas explicações...

Londres é bipolar: tem surtos de euforia, com festas badaladíssimas , parques cheios de verde e vida; premières de filmes no Odeon Leicester Square Cinema, (como a de Sex and City e Batman, entre junho e julho), tributos a personalidades mundialmente famosas, como o aniversário do Mandela no Hyde Park, em julho; sedia campeonatos e shows no grandioso Wembley Stadium, oferece museus gratuitos incríveis, como a National gallery, na linda Trafalgar square. Também é praticamente inteira acessível por metrô, facilitando deslocamentos rápidos e com menor impacto ambiental. Isso sem mencionar a arquitetura imponente, que combina tão bem o velho e o novo, como faz a ponte do milênio, interligando a Saint Paul Cathedral com a Tate Modern Galery. Por outro lado, Londres é uma cidade caríssima. Carros pagam a “congestion charge” para circular no centro e pessoas pagam quase o dobro pelo tíquete de metrô diário se viajam antes das 9h30 (é a “congestion charge” das pessoas...). Os problemas de segurança têm aumentado, a inflação e o desemprego também.

O ritmo da cidade é alucinante. Londres é hiperativa. Pessoas circulam em todos os lugares, a qualquer horário, seja por turismo, ou por trabalho. O consumo é incessante, lojas imensas, como a Harrods, a Primark e John Lewis estão sempre lotadas de gente comprando. O trânsito é caótico, o metrô é abarrotado, confuso, claustrofóbico...

Londres é psicótica. Tem múltiplas personalidades. Quero entender o que a cidade nos diz, mas ela fala muitas línguas. Quero entender seu comportamento, mas ela se comporta paradoxalmente. Na Brick Lane, a rigidez da cultura mulçumana, na Oxford Street, o consumismo cosmopolita; no Soho, a descontração das baladas e casas GLS; na City um clima de futuro; em Nothing Hill, um link com o passado.

Londres é paranóica, tem delírios de grandeza. Anúncios de segurança alertam sobre suspeitos de terrorismo; câmeras flagram cada passo que se dá... Todos são suspeitos até que se prove o contrário. E esse clima de que podemos ser o próximo Jean Charles, oprime um pouco.

Londres é obsessiva, perfeccionista. Não sossegou até conseguir sediar as Olimpíadas de 2012. Agora se mobiliza em obras e restaurações, querendo fazer mais bonito do que a China, onde brilhou nas competições.

Londres é sedutora, é narcisista. Ela sorri para nós com malícia, sabendo que mesmo com todas sua neuroses, seus caprichos e problemas, vamos nos apaixonar. Ela nos olha de cima, com ares de nobreza, querendo que ajoelhemos a seus pés num ato de reverência. Ao mesmo tempo, nos quer longe de sua essência, quer manter-se intacta e inatingível; de preferência a idolatrando a milhas de distância, com nossos passaportes não-britânicos, apreciando platonicamente sua beleza, suas raízes, seu sotaque real.

Foi assim, nesse impasse entre o desejo e a impossibilidade de captar a sua essência, que Londres virou o jogo e me hipnotizou. Sinto que a cada vez que pisar em seu solo Real, ela vai me dominar novamente e me fazer sentir que sou só mais um entre seus súditos apaixonados. E ciente de ser para sempre apenas voyer de sua beleza, impotente e frustrada na missão de analisá-la, eu me rendi. Deitei-me ao seu lado no divã e percebi que entender esta cidade é mesmo uma tarefa vã!

Ponte do Milênio



Olla no Wembley - Soccer Aid

2 comentários:

Anônimo disse...

Marina,lendo aqui vi vc como uma personagem de Doris Lessing, que vem de um plano superior e com uma evolução mais sutil, e vai sobrevoando Londres como os anjos de Win Wenders. E aquela aglomeração de humanos, meio tudo meio nada, assim fora de um contexto cósmico superior, vai se apoderando de seus sentidos até te envolver e sugar suas percepções mais transcendentais. A interpretação dos deuses sobre essa cidade deve ser igual à sua: tudo o que se pode falar e mais o que escapa à vista e aos sentidos, palco da passagem e evolução da história dos homens, desde Stonehenge até a City. Uma caminhada e tanto! Keep Walking, Marina, poque Londinium tansit gloria mundi.

YBM

Elaine Leme disse...

Amiga, amei os filmes.
E adorando cada vez mais seus textos.